29 de Julho de 2011
Olimpíada
Um projeto invejável, executado dentro dos prazos e do orçamento. Vem aí uma candidata a melhor Olimpíada de todas (e um modelo difícil de igualar em 2016)
Por Giancarlo Lepiani, de Londres
Desta vez, o West End ficará em segundo plano. Respirando novos ares, o bairro antes conhecido como ‘Stratford fedido’ é a casa do projeto olímpico de Londres
Inventores dos fogos de artifício, dos instrumentos de percussão e da seda, os chineses realizaram uma Olimpíada cheia de pirotecnia, barulho e beleza. Na cerimônia de encerramento dos Jogos de Pequim, no Estádio Ninho do Pássaro, na noite de 24 de agosto de 2008, eles entregaram o bastão a Londres, que passava a assumir uma empreitada tormentosa: organizar uma Olimpíada ainda melhor que a dos orientais. Mas os britânicos, inovadores nos sistemas financeiros, na produção industrial e na cronometria, não decepcionaram. A um ano da abertura dos Jogos de 2012, as contas estão em dia, as obras transcorrem sem sobressaltos e tudo está dentro dos prazos. O melhor, porém, está por vir. Enquanto Pequim ainda tenta encontrar alguma utilidade para suas ostentosas instalações olímpicas – o Ninho do Pássaro agora só serve para visitação turística; o Cubo d’Água virou parque de diversões aquático -, Londres redesenha sua topografia urbana, com vistas a uma revolução depois dos Jogos. Seis anos depois de ter batido Nova York, Paris, Madri e Moscou na batalha para sediar a Olimpíada, a capital britânica dá os toques finais num projeto impecável, que consegue juntar sustentabilidade, eficiência, responsabilidade econômica e um espetacular legado para a cidade. Pior para o Rio de Janeiro. Em 12 de agosto de 2012, no novo Estádio Olímpico de Stratford – que, evidentemente, já está prontíssimo -, uma delegação brasileira participará da festa para receber a incumbência de suceder Londres. Mais que um modelo a copiar e um exemplo a seguir, será um abacaxi a descascar. Afinal, a cerimônia do dia 12 se encaminha para ser o último ato da melhor Olimpíada da história – e, até lá, restarão apenas quatro anos para o Brasil preparar Jogos tão brilhantes quanto os de 2012.
Nos eventos marcados para dar início à contagem regressiva de um ano para a abertura, na última quarta-feira, Londres deu algumas boas amostras do que será capaz de apresentar dentro de doze meses. A melhor delas foi a estreia de seu conjunto aquático, de desenho sinuoso e acabamento irretocável. As piscinas eram a última grande instalação olímpica a ser concluída e entregue – antes delas, já haviam sido encerradas as obras no Estádio Olímpico, no velódromo e na arena de basquete e handebol. Esse último projeto, aliás, representa com perfeição as diretrizes do projeto londrino. Concluiu-se que manter um ginásio de grande porte no Parque Olímpico depois dos Jogos seria um desperdício – o local ficaria ocioso e os custos de manutenção seriam elevados demais. A solução: armar uma arena “reciclável”, que será desfeita depois das competições. Tudo será reaproveitado em outras instalações esportivas espalhadas pelo país. Das arquibancadas ao piso, passando pelo sistema de iluminação e pelos banheiros, o ginásio desmontável abastecerá reformas em outras arenas. O próprio Estádio Olímpico foi projetado de acordo com essa mesma filosofia. Na configuração preparada para os Jogos, haverá lugar para 80.000 pessoas. Depois da cerimônia de encerramento, o estádio será readequado ao seu futuro uso, com redução da capacidade e adaptação para receber partidas de futebol (o West Ham United, um dos clubes mais populares da cidade, deverá assumir a administração). O grau elevadíssimo de planejamento e organização não significa que a cidade escapou imune às controvérsias que costumam cercar um projeto olímpico. A entrega do estádio ao West Ham, por exemplo, ainda é alvo de uma ferrenha disputa (o Tottenham, uma agremiação rival, também reivindica a chance de assumir o controle do local). As desapropriações necessárias para construir o Parque Olímpico no bairro de Stratford também provocaram queixas e protestos. O resultado da transformação da região, entretanto, não deixa dúvidas de que o leste de Londres ganhará vida nova a partir do ano que vem.
Os números de Londres-2012
Empregos: 30.000 vagas criadas nas obras
Ingressos: 8 milhões de bilhetes olímpicos
Abertura: com 4 bilhões de telespectadores
Parques: mais de 100 hectares de área verde
Transporte: em 7 minutos, trem até o centro
Turismo: mais 4 mi de visitantes em 4 anos
Melhores ares – O Rio Tâmisa, traço mais marcante da geografia da capital, corta a cidade entre norte e sul. A divisão mais acentuada e profunda na composição urbana de Londres, contudo, ocorre entre os lados leste e o oeste. O West End é o coração político, religioso e cultural da Grã-Bretanha há quase um milênio. Lá estão instalados o Palácio de Buckingham, as Casas do Parlamento, a Abadia de Westminster e a residência do primeiro-ministro, no número 10 da Rua Downing. O East End, por sua vez, tornou-se o equivalente aos pulmões da cidade, fornecendo o oxigênio necessário para fazê-la continuar pulsando e em movimento. Por oxigênio entenda-se principalmente mão-de-obra e matéria prima: a região tornou-se a mais industrializada de Londres. Na II Guerra Mundial, a blitz nazista concentrou seus ataques ali, pois a Alemanha sabia que a região abrigava as maiores fábricas de armas e munições da cidade. A rainha-consorte Elizabeth, mãe da atual rainha Elizabeth II, foi visitar os locais castigados pelas bombas nazistas. Os moradores do lado leste chegaram a arremessar lixo na mulher do rei George VI – a vizinhança era hostil a qualquer um que vinha do rico e pomposo lado oeste. Depois que o Palácio de Buckingham também foi atingido pela blitz, Elizabeth comemorou: “Agora que estamos no mesmo pé que eles, acho que posso olhar cara a cara para o East End”. Um dos distritos dessa região, Stratford, tinha altíssima concentração de fábricas – tanto que ganhou o incômodo apelido de “Stinky Stratford” (simplesmente “Stratford fedido”). Mas essa página já está virada. Nos Jogos de Londres, os holofotes estarão todos voltados para o bairro, o centro do projeto olímpico. Desta vez, o West End terá de se contentar com competições periféricas, como o vôlei de praia, em Whitehall e o triatlo, no Hyde Park. Respirando novos ares, Stratford é a casa do Parque Olímpico, que reúne a vila dos atletas, estádio, complexo aquático, ginásio e velódromo. Os dias de “Stratford fedido”, definitivamente, ficaram no passado.
Como ver o estádio
http://maps.google.com.br/maps/ms?msa=0&ie=UTF8&t=h&msid=209053362645598055467.0004a94496aea7778cfe8&ll=51.536993,-0.01399&spn=0.007928,0.012875&z=15&output=embedO Parque Olímpico ainda está fechado ao público. É possível, porém, ter uma visão geral do local a partir de uma plataforma construída diante do Estádio de Stratford. Ali ainda é possível avistar a Vila Olímpica e o complexo aquático. Para chegar à plataforma, basta ir até a estação de metrô de Pudding Mill Lane e seguir placas que dizem ‘View Tube’. A caminhada desde a estação é curta.
O plano para revitalizar a região até 2012 lembra o de Barcelona-1992, uma das Olimpíadas mais lembradas quando se discute quais foram os melhores Jogos de todos os tempos. Em tempos de aquecimento global, porém, o projeto evoluiu em pelo menos um aspecto na comparação com o que se fez na cidade catalã (que ainda hoje colhe os frutos da decisão de investir em regiões decadentes, como Poblenou e Montjuïc, para receber as competições). Depois das críticas contra a poluída Pequim, Londres não perdeu de vista as preocupações ambientais. Na construção do Parque Olímpico, por exemplo, 97% do material das demolições em Stratford foi reutilizado. As 2.818 residências da Vila Olímpica formarão, depois dos Jogos, um bairro verde, com eficiência energética e racionalização do uso da água. O plano de revitalização do leste de Londres é tão ambicioso que deixou em segundo plano até mesmo as obras nas instalações esportivas. A cada libra investida nos Jogos, 75 centavos correspondem a gastos no projeto urbano – que incluem, além da construção das casas e apartamentos, a transformação do sistema de transporte (o parque será servido por quatro estações de trem e metrô) e a construção de escolas e hospitais. Para não decepcionar quem irá a Londres em 2012 esperando ver a parte mais tradicional da cidade, a Olimpíada usará também cartões-postais da capital, como o Hyde Park e o Regent’s Park, e os templos do esporte londrino, como o Estádio de Wembley (para a final do futebol) e Wimbledon (para o tênis). Há duas semanas, o ministro dos Esportes e da Olimpíada, Hugh Robertson, confessou que sentia-se um político de sorte ao ser capaz de fazer o seguinte anúncio em público: “A um ano da abertura dos Jogos, as obras estão 88% concluídas, com construções terminadas antes do prazo e abaixo da previsão orçamentária”. O Rio de Janeiro foi anunciado como sede dos Jogos de 2016 em outubro de 2009 – com a mesma antecedência, portanto, que os ingleses tiveram para se preparar. Mais do que qualquer medalha de ouro, o brasileiro torce para que o Rio consiga fazer algo minimamente similar ao que Londres já conquistou.
31/07/2011 às 14h07m
De:http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/em-6-anos-londres-apronta-jogos-memoraveis-e-agora-rio